Ad immortalitatem

Há uma Fabiana que me habita que ainda não cresceu, é uma menina mimada e manhosa. Há uma Fabiana que me habita que entra na frente, tem voz forte, lidera. Ambas têm algo em comum: Eu.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

O FIM DO RACIONALISMO

Já escrevi por aqui sobre a desvalorização, vulgarização da imagem da mulher na mídia. Como costumo ir a fundo aos temas que escolho para os artigos do blog, busquei mais sobre o assunto. Leio, diariamente, os blogs que recomendo no espaço "Eis uma boa leitura". Entre eles o http://nao2nao1.com.br/ escrito por Gustavo Gitti, que é Pedagogo, Filósofo e editor e o http://papodehomem.com.br/ de um grupo de homens inteligentes, espalhados pelo Brasil que escrevem – divinamente bem – sobre “ideias e o que mais a imaginação alcança”. Dia desses, seguindo um link de um artigo no blog http://papodehomem.com.br/, encontrei um documentário italiano, chamado “O corpo das mulheres”.

Assisti ao vídeo do documentário e, mais uma vez, senti vergonha de ser mulher. Já havia postado esse vídeo a algum tempo atrás. Hoje resolvi postar o texto do vídeo. Trata-se de um excelente trabalho de Lorella Zanardo e Marco Malfi Chindemi com duração de 25 minutos, sobre o uso do corpo da mulher na televisão. Assistir ao vídeo só reforçou, ainda mais, a minha opinião sobre o perigo que representa a falta de responsabilidade das emissoras de TV, em divulgar essas explosões de exibicionismo do corpo da mulher, em um espaço que deveria ser usada para promover um bem maior à todos que as assistem. Veja o vídeo. Perceba o quanto o ser humano está doente, graças à doença que ele mesmo criou.

Não seja um produto. Seja o que você é: ser humano.

“A alternativa à humilhação é a incompetência.”



http://www.ilcorpodelledonne.net/?page_id=209

Vale a pena nunca esquecer.

IL CORPO DELLE DONNE

Por Lorella Zanardo e Marco Malfi Chindemi

Eu trabalhei e estou exausta. Não imaginava tanto esforço, tanto tédio. Agora eu sei que as imagens, não são apenas imagens. São comunicação, memória, aprendizagem, educação. Certamente não imaginava que as imagens televisivas fossem um espelho tão claro de alguns comportamentos. Tentei ver dentro do espelho para ver quem somos e talvez, tentar alterar nós mesmos se não gostamos de nós.
Entendi também que, as vezes, servem muito mais para ocultar do que revelar.

Recordo quando Marco me dizia que a TV tem um poder incrível. Mesmo falando do real, representando o real, consegue dissimular. A TV hoje rouba, deturpa, sabota a paisagem da consciência de todos. Tira-nos as raízes e os fundamentos. Rostos convertidos em máscaras pela cirurgia estética. Corpos excessivamente, inflados como fenômenos de um eterno circo que nos remetem a uma ideia de mulher falsificada.
Então eu tenho a certeza de que pode assistir à televisão, pode aguentá-la, mas somente tendo em mente que é um grande circo.

Quem somos? O que vemos? Porque todas as mulheres da Itália não descem às ruas para protestar contra a forma como somos representadas?   

Os rostos e os corpos das mulheres reais foram escondidos, em seu lugar a proposição obsessiva, vulgar e manipulada de bocas, pernas, peitos, uma remoção e substituição com máscaras e outros materiais. O que aconteceu com a “qualidade” do feminino nas imagens que hoje dominam? Não conseguimos ver na televisão uma natureza peculiar do ser feminino, uma nova identidade, original, genuína, se não em uma oposição ao masculino, com exceção de poucos casos em redes de TV menores ou em horários de baixa audiência.

A presença da mulher na TV é uma presença de quantidade, raramente de qualidade. A mulher proposta parece satisfazer e alcovitar os supostos desejos masculinos em todos os aspectos, abdicando completamente, a possibilidade de ser o “Outro”. Reduzida e auto-reduzida a objeto sexual, envolvida em uma corrida contra o tempo que a força a monstruosas deformações. Constrangida em moldura muda ou elegida para um papel de condutora em transmissões inúteis onde nunca é necessária a competência.  

É como se a mulher fosse incapaz de olhar-se no espelho, não se aceitando, e ao seu rosto, assim como ela é. Ser verdadeiro certamente é um dos direitos fundamentais do homem. Mas ser verdadeiro exige saber reconhecer os nossos desejos e as nossas necessidades mais profundas. Do meu ponto de vista, acho que o problema real das mulheres seja não ser mais capaz de reconhecer as suas necessidades, portanto, como é possível ser verdadeiras?

Introjetamos o modelo masculino tão profundamente que não sabemos mais reconhecer o que queremos realmente e o que nos faz felizes, quero dizer nos olhamos umas às outras com olhos de homens, olhamos para os nossos seios, nossas bocas e nossas rugas, como pensamos que um homem nos olharia...


O atual modelo de beleza não nos representa e é, no mínimo bizarro que a publicidade use imagens com referenciais sexuais atraentes para homens para atrair o público feminino... Estou convencida que, sem esta pressão contínua sobre o “ter que ser bonita”, de acordo com os padrões que não escolhemos, nós aceitaríamos muito mais o que somos. E se é verdade que os corpos dizem sempre algo mais que a língua daqueles que gostariam de dominá-los, o que estão nos dizendo esses corpos?


No programa de TV Bagaglino, poucas semanas depois do humilhante “escândalo das vallete”, Elizabetta Gregroraci dava suporte ao seu papel humilhante ao escândalo, cantando A rumba do pirulito. Mas precisávamos da valleta sado-masoquista?  Havia necessidade de uma figura tão cheia de erotismo nada solar que, provavelmente, impede aos homens que voltam do trabalho de mudar de canal? Por que isso aconteceu? Talvez, uma hipótese seja porque é como funciona o sistema, estes são os nossos modelos de referência. É assim que funciona a partir da alta moda à política, do esporte à música pop até a medicina.

Passar a fazer parte disso te torna uma mulher forte, te dá poder. Estabelecemos que as mulheres emancipadas têm que se propor publicamente e declaradamente como um objeto de desejo, sempre e em qualquer situação mesmo quando somos demandadas por nosso profissionalismo, mesmo quando na tela há mais mulheres adultas, competentes que teriam talvez coisas pra dizer.

Mas desde que o único sinal de desejo que temos capacidade de reconhecer é uma explicita referência sexual convertemos toda a nossa cultura à estética de um strip club.  Para filmar essas imagens é necessário posicionar, antes da filmagem, a câmara de modo que possa, então, filmar seios, vaginas, pernas como em um filme pornô, se não fosse que estamos em uma televisão pública.

Cristina a última heroína do Big Brother Itália, é filha do feminismo, que reinterpreta na sua própria maneira: antes tinha tudo para ganhar. Hoje, utilizando também aquelas armas que uma feminista teria abominado, de origem a uma modelo de mulher nova que tem em si muitas contradições. Contém em si todos os símbolos de feminino que ela manipulou para torná-los mais receptivos ao mercado, porém a sua natureza não é de uma subjugada, porque hoje, para ter sucesso neste mundo, precisa de atributos masculinos. Cristina voltou a piar como a Milo, a Biagini. Contudo, fazia anos que as mulheres tinham recuperado um tom de voz adulto.

Curiosamente muitas das garotas de calendário não são nada além da feminilidade diligente, estudiosa, ambiciosa e determinada descrita pelas estatísticas da escola. Muitas vezes são as ex boas meninas, alegria das professoras.
Sara Tommasi “paperetta”, “schedina” participante da “Ilha dos famosos” declarou:

 “Após 4 anos  de estudo à Bocconi, eu era executiva de uma grande empresa. Hoje eu sou o produto, o produto que vendo no mercado do show bussines.”

Dos 45 músculos faciais, exceto os necessários para mastigar, beijar, cheirar, soprar, todos os outros são usadas para expressar emoções. Mais articulado e complexo será o caráter, compreendendo por caráter a nossa mais profunda essência, mais individual será a expressão do rosto.

O que estão escondendo esses rostos? Por que as mulheres não podem mais aparecer com o verdadeiro rosto na TV?   Por que já não há mais nenhuma mulher adulta que possa mostrar o seu rosto? Por que essa humilhação? Temos que ter vergonha de mostrar a nossa cara? Temos que esconder nossas rugas, a passagem do tempo que deixa suas marcas em nosso rosto é uma vergonha? Mais um abuso no qual nenhum homem é obrigado.

Dizia Anna Magnani ao maquiador que antes da gravação estava querendo cobrir-lhe as rugas do rosto:

“Deixa-me elas todas. Demorei uma vida para fazê-las.”  

Ocultando nosso rosto, estamos renunciando a nossa singularidade, portanto, a nossa alma?
O rosto expressa a nossa autenticidade. Primeiro tem a sua exposição direta, sem defesa, em que ele aprece em sua digna nudez. É mesmo o rosto que começa e permite todos os discursos, e é o pressupostos de todos os relacionamentos humanos.

Esses rostos possibilitam relações? O rosto do Outro, então, me envolve, me põe em questão, me torna imediatamente responsável. O rosto humano tem uma mensagem: vulnerabilidade absoluta. E é por isso que é disfarçado, escondido, decorado, modificado cirurgicamente? Isso explica por que razão é tão difícil aceitar o próprio o rosto: é como fixar no rosto a vulnerabilidade absoluta. É como permanecer vulneráveis? Como continuarmos a ser nos mesmas em um mundo, onde se é vencedor apenas se ferozmente invulnerável? Que escolha difícil para as mulheres!Invulneráveis entre os vencedores ou vulneráveis e esquecidas? Porém, a vulnerabilidade é o mais fascinante do rosto.

Pier Paolo Pasolini tinha entendido antecipadamente, que a televisão estava prestes a destruir a poesia, potencialmente, expressa pelo o rosto humano. Pasolini tinha um agudo senso da realidade do rosto humano, como lugar de encontros de energia inefáveis que explodem na expressão, isso é, em algo de assimétrico, individual, impuro, complexo, portanto, o contrário do típico. Cadê os rostos das mulheres? E o feminino expresso por cada rosto, na sua singularidade?

Envelhecendo eu revelo o meu caráter, onde por caráter devo compreender todo o vivido que moldou o meu rosto, que é chamado de “face” (rosto) porque eu mesmo a “faço”, com os hábitos contraídos na vida, as amizades de frequentei, a peculiaridade que me dei, as ambições que persegui, os amores que eu conheci e que eu sonhei com as crianças que procriei.

“Honra o rosto do velho” está escrito em Levítico (19-32). Porque é um dever de cada cidadão render público o seu próprio rosto e não escondê-lo como hoje permitem as cirurgias. Não é pequeno o dano que ocorre quando os rostos que envelhecem tem fraca visibilidade: quando expostos ao olhar público são somente rostos depilados, maquiados e transformados em fotogênicos para garantir um produto seja este comercial ou político.

Hoje, existem muitas mulheres que conquistaram poder e fama na TV, e muitas delas são mulheres maduras, com uma história. Qual é a verdade que nos propõem seus rostos? Qual modelo feminino pode propor às mulheres mais jovens com as quais parecem duelar de um ponto de vista estético? Nenhuma mulher que se proponha como uma alternativa à ditadura do corpo perfeito?

As poucas imagens de mulheres adultas não manipuladas são ferozes: hienas que se jogam desesperadamente contra as mulheres jovens, quando a comparação estética é desigual, zombaria, humilhação das mais jovens por parte das mulheres mais velhas. Mas se os rostos não mostram mais a sua vulnerabilidade, onde encontrar as razões da pietas, a necessidade de sinceridade, a procura de respostas sobre as quais se baseia a coesão social? E então, o lifting, nos lembra o filósofo Calimberti, façamo-lo não ao nosso rosto, mas às nossas ideias e descobriremos que muitas ideias foram criadas assistindo, na televisão, o espetáculo da beleza, da juventude, da sexualidade e da perfeição corporal, na realidade, servem para esconder a nos e aos outros a qualidade da nossa personalidade, na qual talvez não temos dado a mínima atenção ao longo de nossa vida, porque, desde que nascemos, nos ensinaram que aparecer é mais importante que ser com o resultado do risco de morrer desconhecido para nós e para os outros.

Na escola primária para separar um resumo de outro, a professora me dizia para desenhar as “grechine” elementos decorativos, moldura do meu trabalho. A TV está cheia de mulheres-moldura algumas propõem um leit motiv erótico, outras são simplesmente graciosas decorações, doces e jovens rostos que atuam como “siparietto”, ornamentos, “grechine”, como à origem do sutiã à vista e dos lábios enchidos, que mesmo a mais inteligente das convidadas a um debate, ao contrário dos colegas do sexo masculino, sente a necessidade de exibir tem a noção equívoca de que um ser humano que tenha atingido a suposta libertação dos estereótipos possa usá-los para se divertir.

Mas jogar com símbolos e com os estereótipos exige um entendimento tão poderoso e tão enraizado do mesmo jogo que é muito difícil não ficar queimado. Pode-se ser colocada sob uma mesa de vidro de plástico, pode-se assumir a função das pernas da mesa e passar muito tempo aí em baixo, de quatro, e manter a leveza de um jogo? Sem que isso provoque, em algum lugar escondido do nosso organismo, uma ferida? E o que sentimos, nós, deste lado do ecrã? Aí na TV há uma mulher que um homem está colocando no lugar das pernas de uma mesa. Na época alguém tentou protestar, mas os autores e o apresentador Mamuccari ficaram indignados porque “a moça é uma escultura vivente e na gaiola ela tem também, os furos para respirar.”

Um número infinito de mulheres humilhadas.

Muitas das mulheres adultas da TV italiana são poderosas como os homens, portanto, parecem sentir-se obrigadas a adotar o estilo rude exatamente como faria um prevaricador, mesmo que de forma diferente.
Durante anos acreditei que a TV não me preocupasse não interessasse a milhões de mulheres trabalhadoras, envolvidas que tem uma finalidade na vida. Mas essas imagens saem da TV e entram em nossas casas, alimentam as fantasias, ocupam os olhos dos nossos filhos, invadem o mundo. É um jogo a sobrevivência da nossa identidade.

Porque não reagimos?

Porque não nos apresentamos na nossa verdade?

Porque aceitamos essa humilhação contínua?

Porque não cuidamos dos nossos direitos?

Do que temos medo?

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Instinto de Loba.

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