Ad immortalitatem

Há uma Fabiana que me habita que ainda não cresceu, é uma menina mimada e manhosa. Há uma Fabiana que me habita que entra na frente, tem voz forte, lidera. Ambas têm algo em comum: Eu.

domingo, 6 de março de 2011

Está postagem não tem coerência com a proposta do blog. Mas como ainda procuro a razão do meu canto, resolvi postá-la.


Eu estive ausente. Trágicos acontecimentos familiares invadiram minha paz, aos vinte e oito dias do mês do desgosto, no começo da noite. Eu estava sentada na cadeira de um salão de beleza, terminando de arrumar o cabelo para ir à formatura de uma amiga. Ainda vive clara na minha memória, a cena seguinte. Vejo-me entrando aos prantos, desesperada, porta adentro da recepção, da clínica SOS Cárdio, no Centro de Florianópolis. Eu vestia um longo, todo trabalhado em pedraria, em cima de um salto 15, com a maquiagem escorrendo pela face, por conta do choro inconsolável. Eu procurava por minha mãe e meus irmãos.

Meu sorriso se apagou naquele começo de noite e só voltou a minha face, 14 dias depois.

Era meu pai. Isso explica o desespero. Eu e ele temos uma ligação forte. Amo meus irmãos e minha mãe com todas as forças do meu coração. Mas meu pai me preocupa por sua inocência, me comove por sua força, determinação e humildade. É um herói. Meu pai é o homem da minha vida.

Dois rins falidos e dois aneurismas

Do alto de seus 71 anos de idade e experiência, durante um exame de rotina para verificar a saúde da próstata, papai descobriu que um de seus dois rins, estava com estenose. Estenose é um estreitamento anormal que compromete o funcionamento dos rins. No caso de papai, um rim sofria estenose em 95%. E o outro 90%. Isso equivale a dizer, que seus rins estavam quase que 100% comprometidos.

Como se já não bastasse, descobriu que possuía dois aneurismas. Um Aneurisma Fusiforme da Aorta Abdominal. E outro Aneurisma de Ilíaca Comum. Aneurisma, para entender fácil, é uma bomba relógio pronta pra explodir.

Quais são mesmo os possíveis problemas de próstata?

Em breve consulta a qualquer site de pesquisa, é possível saber da importância da aorta. Trata-se da maior e mais importante artéria do sistema circulatório do corpo humano. É nela que nascem todas as outras artérias do organismo. É como se ela fosse a avenida principal de uma rodovia e as demais artérias, pequenas ruas paralelas, que se originam nela e seguem outras direções, irrigando todo o corpo com sangue oxigenado. A aorta se inicia no coração e termina à altura da quarta vértebra lombar, onde se divide nas artérias ilíacas comuns. Levar sangue oxigenado para todas as partes do corpo é sua principal função.

O Aneurisma, a tal “bomba relógio” é a dilatação vascular de uma artéria. No caso de meu pai, na aorta e na artéria ilíaca comum. O perigo desta dilatação está no seu possível rompimento (explosão), ou ainda, em trombosar.

Trombosar significa formar um coágulo de sangue, um trombo no interior de um vaso sanguíneo que pode causar embolia. A embolia é a obstrução de uma veia pelo deslocamento de um trombo (coágulo) até o local da obstrução.

Imaginem o quanto pode ser perigoso um coágulo de sangue viajar pelas artérias e chegar ao coração, obstruindo a passagem de sangue? É morte certa.

Uma cirurgia de grande porte era a possível solução para reestabelecer a saúde de meu pai. E foi feita. No mesmo procedimento aconteceu a angioplastia da artéria renal, de um dos dois rins. A angioplastia da artéria renal é uma espécie de plástica nas artérias dos rins, para tentar recuperar sua perfeita circulação.

Também foram feitos dois implantes de endroprótese na aorta e na ilíaca comum. As próteses impedem o rompimento dos aneurismas.

Tudo estava, aparentemente, bem e programado, apesar do perigo eminente de um dos dois aneurismas romperem. A única má notícia era que um rim havia sofrido falência.

Os aneurismas não romperam.

Meu pai saiu da cirurgia consciente. Foi levado para UTI. Procedimento rotineiro para melhor observação do paciente. Tudo aconteceu durante a noite. No dia seguinte, eu fui vê-lo.
Estava aparentemente bem. Não precisava de respirador. Sentado na cama, não reclamava de quase nada. Apenas de sentir pouca ardência, queimação próximo ao local da cirurgia. Pouca. Conversamos sobre eu ir à formatura, ele concordou:
“O papai está bem, minha filha. Vai te divertir.”
Antes de sair, chamei o médico plantonista, perguntei sobre a ardência e ele me informou que iria verificar, mas que não era motivo de preocupação. Assim, eu segui para o salão de beleza. Aquela era a noite da formatura.

Estava tudo controlado.

Ou não.

A ilíaca comum é uma artéria responsável pela irrigação sanguínea dos membros inferiores e da pelve. É minúscula se comparada com a aorta. Depois de poucas horas da cirurgia, a ilíaca comum de meu pai rompeu-se e causou uma hemorragia interna, a princípio, silenciosa, porém progressiva. Aquela ardência e queimação que ele sentia era o início de um pesadelo.

Segundo a médica que o operou, após a desobstrução das artérias renais, através da angioplastia, a ilíaca não suportou o novo trânsito sanguíneo, antes quase obstruído.
Ela nos disse que meu pai estava muito agitado por conta da severidade da dor que ele sentia, em virtude do sangramento interno, já em estado avançado. Aquela ardência e queimação que ele sentia, durante o dia, era provocada pelo início da hemorragia. Depois de algum tempo, até que os médicos conseguissem descobrir a causa da ardência, o sangramento interno, já avançado, causava uma dor, humanamente, insuportável. 

Eu já havia chegado à clínica, quando a médica responsável pela cirurgia, veio até a recepção conversar com a minha família. Disse que precisávamos ser fortes. Muito fortes. Que meu pai precisava, mais do que nunca, do nosso apoio. Que ele estava consciente e muito agitado em virtude da dor que sentia.

Ela foi direta e sincera ao dizer:

" A dor que o pai de vocês está sentindo, neste momento, pode ser comparada com a dor que um ser humano sofre após ser vítima de um golpe de faca."

Nós nos olhamos rapidamente e em seguida se fez o silêncio. Ninguém disse mais nada, além dela. Ela completou dizendo que, como ele estava consciente, precisava de nós, seus filhos, perto dele.

Lembro que quando vi a médica caminhando de volta, pelo corredor, em direção a UTI, onde meu pai estava, eu juntei as minhas duas mãos em oração, sem ter vergonha da minha fé, olhei pra ela e pedi, mentalmente, a Deus, com muita força, que ele a iluminasse. Eu nunca emanei tanta energia positiva a alguém, como fiz para a médica de meu pai, naquele momento.

E há quem não tenha fé.

Quando eu ainda estava no salão de beleza e recebi o telefonema da minha irmã pedindo pra eu ir para o hospital, senti no tom de sua voz que ela já havia chorado. Só perguntei se ele estava vivo. A resposta foi um sim desanimado. Deixei o salão apressada, agradecendo a Deus que estava com meu parceiro, o Marcos, e não precisava guiar perturbada emocionalmente.

Cheguei à clínica a tempo de ouvir a médica e de acompanhar meus irmãos e a equipe, na remoção de meu pai para o Hospital de Caridade. Precisavam fazer um ultrassom, para saber onde era a origem da hemorragia. Somente o Hospital de Caridade dispõe do aparelho necessário para o exame.

A cena era angustiante.

Meu pai, um patriarca respeitado, homem forte, gemia de dor, mesmo sob o efeito de morfina. Vê-lo sobre a maca, sendo transportado, com tantas pessoas e movimentos a sua volta, era a certeza de uma noite longa e desesperadora. Naquele momento, mais uma vez, eu tive certeza da impotência do ser humano, diante do perigo eminente da morte.

Eu fui responsável por todos os procedimentos cirúrgicos pelos quais ele passou. Precisei acompanhá-lo. Naquela hora, vendo meu pai, naquela situação, me questionei sobre o peso da responsabilidade que estava a minha frente. Meu coração batia tão forte, que sentia pulsar na minha garganta.

Aquele foi um dos momentos mais importantes da minha vida.

O olhar de minha mãe era distante. Sentada na recepção, com o rosário nas mãos postas, demonstrava paciência, tristeza e fé. Sentimentos típicos de uma ex-enfermeira católica, dona de um preparo psicológico de dar inveja. Antes de ir para o hospital de Caridade, aproximei-me dela, beijei sua testa e disse que a amava e que tudo ficaria bem.

Ela permaneceu em silêncio.

Durante o trajeto até o hospital de Caridade meu irmão, que já foi Técnico de Enfermagem, acompanhou meu pai na ambulância. Eu, minha irmã, meu cunhado e meu companheiro Marcos seguíamos logo atrás. No Caridade eu fiquei bem perto  de meu pai o tempo todo. O desespero me arrebentava por dentro, minhas mãos estavam geladas. Eu tremia inteira. Era visível. 

Meu pai tinha um hematoma elevado, inchado, alto que começava pouco a cima da virilha e se estendia até meia cocha. Era o grande coágulo, da visível hemorragia. Assustador.

No ombro direito, papai recebia transfusão de sangue, a fim de repor os 700 ml que perdeu. Pelo resto do corpo fios, agulhas, soros, aparelhos. Nunca esquecerei o som da máquina , que monitorava os batimentos cardíacos dele. Um bip repetitivo. A certeza de que seu coração estava funcionando. A imprevisão sobre a continuidade daquele som, me atormentava. 

Estavam na sala de exame, além de mim e de meus irmãos, três médicos, dois enfermeiros e toda a equipe da ambulância que o transportou. A quantidade de pessoas denunciava a gravidade da situação.
Eu tentava acalmá-lo. Sem sucesso. Teve um momento que ele olhou em meus olhos e disse:

“Minha filha, essa cirurgia vai me matar.”

Eu engoli aquilo seco. Tinha que ser assim. Eu precisava passar tranquilidade a ele. Foi quando respondi, sem desviar o olhar, com voz forte e apertando a mão dele:

“Eu estou aqui, meu pai. Vai dar tudo certo. Não duvida da sua fé”.

Fui chamada a recepção para assinar a autorização do exame. Pela segunda vez na minha vida, eu não conseguia escrever. A minha mão tinha vontade própria, tremia sem parar. O recepcionista percebendo minha agonia, disse que ele mesmo poderia preencher a autorização e eu só precisaria fazer uma rubrica. Eu não tenho rubrica, disse a ele. Com a caneta tremendo na mão, escrevi meu nome, totalmente ilegível.

A possibilidade de perder meu pai havia transformado meu estado emocional com tanta força que, a sensação que eu tinha, era a de ser friamente capaz de acompanhá-lo em qualquer procedimento, de carregá-lo no colo, de fazer qualquer coisa por ele, mas eu me sentia incapaz de fazer algo simples, que faço todos os dias, como escrever. 

Depois do exame voltamos a SOS Cárdio. Fomos chamados pela médica para uma reunião.

Era uma hora não ansiada.

Já sabíamos a sentença. Hoje em dia, me pergunto se, nessas horas, é realmente vantagem ter conhecimento sobre o que está acontecendo. Infelizmente já sabíamos, eu e meus irmãos e minha mãe, que meu pai, aos 71 anos, se recuperando de uma cirurgia de grande porte, sofrendo uma hemorragia progressiva, absurda, teria que fazer uma nova intervenção cirúrgica, antes que a primeira tivesse completado 24 horas.

E o que é pior, sabíamos que isso poderia ser fatal.

Depois de uma espera torturante de quase três horas, a cirurgia acabou. Papai passou por coma induzido, uma sedação leve e dormiu. A médica nos mandou para casa descansar um pouco.
No outro dia bem cedo, já estávamos todos juntos, mais uma vez, esperando na recepção. Então fomos chamados, um a um para vê-lo. Foi o único dia que esteve no respirador. E falava. Com exceção do momento das anestesias, em nenhum momento ele perdeu a lucidez.

Meu pai é dono de uma fé e vontade de viver inquestionáveis. Tenho certeza que isso foi indispensável para ele sobreviver a tanta provação.


Antes de entrarmos na UTI para vê-lo, todos nós, seus filhos, nos olhávamos rapidamente. Fixar o olhar no outro, era impossível. O pranto subia pela garganta e desaguava. Chorar diante da nossa mãe, não era permitido. Significa fraqueza.

Nós herdamos a força de meu pai e o conhecimento de minha mãe. Somos filhos fortes. Fortes no amor. Demos o melhor que havia em nós. Soubemos tranquilizar nossa mãe, assumimos responsabilidades seríssimas, estivemos juntos todos os dias, estacionamos nossas vidas, nada era mais importante que nosso patriarca.

Crescemos! Crescemos naquelas intermináveis horas de espera e ânsia.

Depois dos 14 dias de internação de meu pai, eu tive a visão mais linda do mundo:

Eu o vi, mais vez, entrar pela porta da sala da nossa casa, vivo e chorando. Eu corri para o meu quarto, me ajoelhei aos pés de um crucifixo que tenho pendurado, sobre os meus diplomas e agradeci a Deus. O pesadelo havia acabado. Meu pai estava em casa. Na segurança do seu lar, no seio da família que ele criou com força, determinação e fé.

Meu pai não bebia. Nunca foi alcoólatra. Jamais. Nem a famosa cervejinha de final de semana ele tomava. O problema foi desencadeado por falta de água. De líquido. Ele não tinha a disciplina de beber dois litros d'água, todos os dias.

Um conselho: Beba água! Muita água! Não pense que beber outros líquidos substituem a água. O organismo precisa de, no mínimo, dois litros de água por dia. Pense nisso.


E há quem idolatre um copo de álcool, um maço de cigarros, um par de peitos, uma bunda e diga que fé é ilusão e que Deus não existe.

Há quem erga um copo de cerveja, como quem ergue uma taça, um santo no ombro, em romaria.

O álcool  é a droga lícita, juntamente com o cigarro, que mais destrói a vida de milhões de pessoas diariamente.

A esses eu digo que bebo para apreciar. Que bebo socialmente e dificilmente.

E para aqueles que não tem fé, eu digo o que diria Zé Ramalho:

"Oh, eu não sei se eram os antigos que diziam. Em seus papiros, Papilon já me dizia que, nas torturas, toda carne se trai. Que normalmente, comumente, fatalmente, felizmente, displicentemente o nervo se contrai. Com precisão."

"Nas torturas toda carne se trai" e é a Deus que clamamos. 


A dor instrui.


Setembro de 2010.

Um comentário:

Anônimo disse...

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Instinto de Loba.

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